Participar dos cuidados do próprio corpo é um ato de grande importância para o desenvolvimento da criança: no exercício da autonomia, na construção da consciência corpórea e no fortalecimento do vínculo com o adulto que se envolve de seus cuidados.
Quando a criança, ao ser cuidada, tem a possibilidade de protagonizar ações tais como esticar seus braços ou pernas para vestir-se ou movimentar seu corpo a fim de contribuir com o adulto no momento de higiene, ela aprende sobre si e aprende sobre o outro.
Para a conquista deste lugar de trabalho mútuo, no qual adulto e criança estejam suficientemente envolvidos nos movimentos do cuidado, é fundamental que haja uma conexão, um elo de ligação entre ambos. E esse elo se constituiu através das capacidades sensoriais – do tato, na suavidade com que o adulto toca o corpo da criança à firmeza de seu colo; da escuta, quando o adulto anuncia-lhe seus gestos; do olhar, que busca o encontro e intenção do outro a fim de alcançarem juntos uma atmosfera de atenção efetiva – tendo o afeto como o fio condutor deste processo.
Investir nessa conexão requer uma observação atenta do adulto aos aspectos dos quais a criança se ocupa durante os cuidados do seu corpo: se ela interage, através do olhar, com elementos que não estão relacionados aos movimentos do adulto ou manuseia um objeto durante uma troca de fraldas, por exemplo, é sinal de que ela não está com a sua atenção plenamente voltada ao ato do cuidar. Nesse caso é preciso envolver novamente a criança, olhando-lhe nos olhos e comunicando-lhe sobre seus movimentos, sobretudo, respeitando o seu tempo.
É importante entender que mesmo bem cedo, a criança é capaz de atuar nos movimentos de cuidar através de seus olhares e reações às ações do adulto, e que a atuação infantil crescerá gradativamente de acordo com o seu desenvolvimento, com o vínculo e a confiança que se tem no cuidador.
Não se pode, na intenção de estabelecer uma atividade cooperativa, esperar que a criança faça algo para o qual ela ainda não está motora ou cognitivamente preparada. Da mesma forma, a verdadeira ação em comum só acontece quando há respeito pela vontade da criança, pela sua forma e tempo de agir, considerando que, por algumas vezes, a criança pode estar pouco disposta ou interessada.
Nesse sentido, a expectativa do adulto sobre a participação da criança deve estar sempre voltada à natureza de sua ação e não propriamente ao resultado, embora se saiba que a qualidade dos movimentos experimentados em cooperação são o aporte para que a criança esteja cada vez mais segura para envolver-se nos cuidados de seu corpo.
O incentivo para a participação da criança não pode categorizar uma “violência suave” (HEVESI, 1983).
Quando o adulto limita o movimento infantil com direcionamentos excessivos ou ainda quando resiste em ajudar a criança desejando que ela realize determinado movimento por si só. A cooperação apoia a autonomia. Quanto mais o adulto comunica a criança sobre suas potencialidades, acolhendo-a em seus desafios e estando gentilmente disposto a ajudá-la, mais a criança se sentirá capaz.
Conquistar a atenção e a atuação da criança nas ações cooperativas do cuidar de seu corpo são atitudes que marcam uma relação de parceria na qual entende-se o adulto como um agente de suma importância no apoio ao desenvolvimento seguro e autônomo da criança.
Por Kizzy Guimarães
Rio de Janeiro, 14 de junho de 2020.
Referência Bibliográfica:
HEVESI, Katalin. “A participação da criança no cuidado de seu corpo”. In: FALK, Judit (org.). Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. São Paulo: Junqueira&Marin, 2011, pp. 85-92.
Comentários